História para seu filho não dormir: "O menino do peixe"

Nos filmes, nos desenhos animados, nas histórias em quadrinho, a maçã é o presente que os alunos dão aos seus professores. Comigo era diferente, dava peixes. Naquela época meu pai costumava ir para o mar para praticar caça submarina e sempre voltava para casa com muitos peixes. Peixões, mesmo: robalo, badejo e outros peixes grandes. A professora agraciada era a Yara. Hoje, refletindo, percebo que, coincidentemente, Yara é nome de sereia. Tudo a ver com peixe!

A turma era da quarta-série. Era muito comum naquela época fazermos trabalhos inspirados em datas comemorativas, como Páscoa, Inconfidência Mineira, Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia do Índio etc.

Estávamos, então, próximos ao dia 1º de maio, Dia do Trabalho. A professora Yara sugeriu que cada aluno fizesse uma pesquisa e montasse um cartaz inspirado nessa data. Como sempre, quando anunciada a atividade, a classe virava um burburinho só. Todo mundo falando sobre as suas idéias de trabalho ou se lamentando por achar que a atividade seria uma missão quase impossível. Eu me enquadrava na segunda situação. Porém, tímido como sempre fui, fiquei quieto, pensativo e achando que não seria capaz de realizar a atividade. Ainda mais porque o trabalho era para ser entregue na próxima semana, portanto, sábado e domingo eram os dias que tinha para realizar a atividade.

Passei o final de semana folheando revistas velhas à procura de imagens e textos que fossem úteis para a confecção do meu trabalho. Encontrei algumas fotos de homens com capacete de operário, de terno e gravata, com óculos de segurança e outras do tipo. Legal! representavam o trabalho, mas além de imagens eu tinha que escrever algo sobre o dia do trabalho ou, mesmo, sobre o trabalho. Porém, o que escrever?

Continuei folheando as revistas em busca de inspiração até me deparar com uma foto de capa que me chamou a atenção. Um rapaz bem magro, parecia muito fraco, estava sentado numa cadeira de rodas e levava um sorriso no rosto. A legenda da foto dizia “O físico inglês Stephen Hawking”.

“Físico”, palavra que correspondia a profissão. Encontrei um trabalhador com uma profissão bem diferente dos outros que havia antes encontrado e, que além de tudo, era um exemplo de superação: mesmo imóvel numa cadeira de rodas era capaz de sorrir e trabalhar. Realmente, tinha encontrado a foto do meu cartaz.

Ouvi, vindo da TV do quarto dos meus pais, aquela musiquinha do Cansástico indicando o final do domingo. Meu tempo tinha se esgotado.

Tinha a foto, mas ainda não tinha nada escrito sobre o dia do trabalho. Resolvi então deixar a cartolina de lado e colei a foto com a legenda numa folha de canson, que era bem menor, otimizando o espaço, e escrevi no topo “1° de maio – Dia do Trabalho”.

Dias depois, a professora foi chamando aluno por aluno para fazer a devolução dos trabalhos. Já estava preocupado pelo fato do meu cartaz ser o único feito em canson, o único a ter apenas uma foto, o único a não ter nenhum texto sobre o Dia do Trabalho e ainda a professora chamou a todos menos a mim. Ela foi a frente da classe e começou a falar.

- Os cartazes dessa turma foram muito bons, mas temos um que...

Enquanto ela falava, um frio percorria toda a minha espinha, minhas pernas tremiam, os cantos da minha boca repuxavam para baixo num sinal de que iria começar a chorar. Queria desaparecer da sala, com medo da repreensão.

- ...e mostrou que não existem barreiras para o ser humano quando existe a vontade de vencer.

O frio na espinha deu lugar ao alívio, uma sensação quase orgástica ao ouvi-la dando-me os parabéns.

Alguns anos mais tarde, estava no ponto esperando um ônibus para ir ao trabalho e reconheci uma senhora baixinha, de cabelos grisalhos e encaracolados, em pé logo a minha frente. Era a professora Yara. A primeira imagem que resgatei na memória quando a vi foi a do Dia do Trabalho.

Aproximei-me e a cumprimentei. Ela ficou alguns segundos olhando para o meu rosto tentando se lembrar quem eu era e eu, sem falar, esperando que ela se lembrasse.

- Você é o menino do peixe!

3 comentários:

Márcio Beckman disse...

Bem sacada a história, gostei! Fazendo um paralelo com a vida: pra se destacar é preciso ter diferencial, mas a frase final me deixou um pouco confuso... Ser o "menino do peixe" significa ser só mais um, ou aquele menino q trouxe a "maçã", o presente e por isso nunca será esquecido? É... alguns professores são assim msm, a gente nunca sabe se foi significativo para eles ou só mais um aluno...

Márcio Beckman disse...

Bem sacada a história, gostei! Fazendo um paralelo com a vida: pra se destacar é preciso ter diferencial, mas a frase final me deixou um pouco confuso... Ser o "menino do peixe" significa ser só mais um, ou aquele menino q trouxe a "maçã", o presente e por isso nunca será esquecido? É... alguns professores são assim msm, a gente nunca sabe se foi significativo para eles ou só mais um aluno...

smacjr disse...

Olá, Márcio!
Fico feliz que tenha gostado da história.
Sua interpretação é válida e coerente. Da mesma forma que o episódio teve significados diferentes para aluno e professora, os "significados" do texto podem variar de acordo com a cognição de cada leitor.
Um grande abraço!